Emily olhava para mim, esperando uma reacção desesperada da minha parte a qualquer momento. Ela sabia que naquele dia, a única coisa que eu queria dela era que me ouvisse e que me deixasse descarregar toda a minha frustração em cima dela. Apesar de nunca me ter aberto com ela em relação ao assunto que me levava a sua casa naquele dia, eu sabia que ela era talvez a única pessoa que suportaria até ao fim, todos os meus gritos sem reclamar por lhe falar fosse de que maneira fosse, e no fim de tudo, ainda me daria os melhores concelhos que alguém me poderia alguma vez dar. Além disso, aquele era um segredo que eu guardava comigo há demasiado tempo, e não me sentia capaz de sofrer em silêncio nem mais um minuto. E claro que Emily o guardaria como se da sua vida se tratasse. Punha as minhas mãos no fogo só para assegurar aquela verdade.
- Desembucha... - balbuciou Emily, enquanto tratava dos preparativos para o lanche daquela tarde - Daqui a nada o Sam está a chegar com a... matilha? - deixou escapar uma gargalhada de curta duração - É estranho falar deles assim.
Olhei-a tentando perceber o que me estaria ela a dizer. Claro... daqui a uns minutos Sam já estaria em casa, e a nossa conversa teria que ficar para outro dia. Sentei-me durante um segundo em frente á mesa repleta de comida que Emily tinha tão carinhosamente preparado para os amigos do seu noivo, e sorri sem querer. Adorava aquela realidade em que ambas viviamos, por mais estranha que fosse. Olhei a minha amiga que se encontrava ainda um pouco atarefada em frente ao balcão da cozinha, e procurei ajudá-la, levantando-me da mesa e dirigindo-me ao outro lado do balcão para nos ser possível ficar frente a frente.
- Não preciso de ajuda querida. - disse-me sorrindo
- Mas eu preciso de te ajudar. Preciso de estar ocupada. - confessei, pegando numa faca de cabo castanho que se encontrava á minha frente, esperando que Emily me dissesse o que tinha ali que se pudesse cortar
- Ainda te cortas com os nervos que estás. - brincou com a situação
- Ao menos aqui não tenho que me preocupar com aquelas sanguessugas nojentas! - exclamei, espetando a faca na tábua de madeira á minha frente
- Não fales assim... - balbuciou, olhando-me preocupada - Pareces o Jacob a falar dos Cullen. - concluiu, voltando a olhar para os pratos de comida á sua frente - Podes cortar essa broa ás fatias se quiseres, eu sei que gostas. - disse, sorrindo
- Compraste-me broa de milho? - perguntei, apercebendo-me, ao cortar a primeira fatia, que aquela broa era, de facto, de milho - Tu já viste que andas aqui a sustentar estes lateiros todos? Qualquer dia o Sam obriga-nos a dar dinheiro para a casa.
Emily riu-se, mas não respondeu. A sua perspicácia dizia-lhe que era agora que eu ía falar, de qualquer que fosse o assunto que me perturbava naquele momento. Durante aqueles 17 anos, tinhamos partilhado tudo uma com a outra, e se havia alguém que realmente me conhecia melhor do que qualquer pessoa no mundo, essa pessoa era Emily, sem sombra de dúvida.
- Oh Emily... - balbuciei - Posso... posso pedir-te que me guardes um segredo?
- Que pergunta é essa Jéssica? Por amor de Deus...
- Mas é que... nem ao Sam podes contar, nem comentar nada com ele a respeito disto, por favor.
- Sabes bem que não o faço. - assegurou
- Não é por mal, mas é que eles conseguem ouvir os pensamentos uns dos outros, e tu sabes como é que é, muitas vezes mesmo que tentem não pensar naquilo, acabam por pensar e não conseguem esconder nada uns dos outros.
- Está descansada Carina.
- Emily não me chateies! Já te disse que não me chamo Carina.
- Mas chamas-te Jéssica Carina. - gozou
- Oh! - exclamei, largando a faca e a broa em cima do balcão, começando a andar de um lado para o outro pela cozinha
- Tem calma, estava a brincar. - disse, rindo-se - Simplesmente já devias saber que qualquer que seja o segredo que me peças para guardar, eu não vou contar ao Sam nem a ninguém, a menos que seja absolutamente necessário.
Olhei Emily por uns míseros segundos, sabendo que ao menos ela falava a verdade. Mas contar-lhe aquele segredo não resolveria os meus problemas. O que podia resolver os meus problemas era Isabella desaparecer de Forks de uma vez por todas. Isso resolvia os problemas de muita gente. Eu sabia como não era saudável tanto ódio, mas Bella não me deixava alternativa. Ou eu a odiava, ou agia contra a minha própria natureza... era mais ou menos isso. Era incrível como o mundo todo girava em torno dela! Ela fazia com que inimigos mortais lutassem pela mesma coisa. Tentava com que duas espécies opostas de "monstros", como sempre lhes chamava, fizessem o tudo por tudo só para a manter em segurança. O único monstro nesta história toda era ela, a meu ver claro. Eu podia pensar como uma frustrada e invejosa, mas não conseguia pensar de maneira diferente, fosse como fosse. Além disso, eu percebia que ela achasse aquelas sanguessugas uma espécie monstruosa, mas os lobisomens seriam monstros por que razão, se eles se esforçavam ao máximo para proteger a espécie humana? Eles transformavam-se com um único propósito, propósito esse que não tinha rigorosamente nada de monstruoso. E no fim de contas, ninguém levava a mal as barbaridades que ela dizia, muito pelo contrário. Jacob então não admitia que alguém lhe levantasse a voz ou que alguém abrisse a boca para dizer alguma coisa menos agradável que fosse a respeito dela.
- Sabes que o Jacob agora é amigo de vampiros. - balbuciou Emily rindo-se para si própria
- Más influências. - soltei sem querer
- Vamos parar com esta conversa? - perguntou Jacob, sentindo a temperatura do seu corpo subir considerávelmente
- Parar? Parar porquê Jake? Custa-te ouvir as verdades? - perguntei incapaz de esconder o nervosismo que sentia ao ver como ele ficava tocado quando se falava dela - O pior cego é aquele que não quer ver, e se queres te diga, tu é que não queres ver como ela é egoísta ao ponto de só querer estár contigo porque não tem o Edward quando quer e lhe apetece. Tu... será que não percebes isto Jacob? É assim tão dificil perceber que ela usa-te e deita fora quantas vezes quer e lhe apetece porque tu deixas? Ela não vale NADA! - gritei já em pé de frente para a cadeira dele
Todos os presentes me olhavam como se não tivessem entendido nada do que eu estava para ali a dizer. Jacob, por outro lado, levantou-se e aproximou-se de mim tanto quanto pode, tendo percebido até bem de mais todas as palavras saídas da minha boca. Senti o meu olhar dirigir-se ao chão, quase automáticamente. Aquela proximidade intimidava-me, e ainda mais, saber o que poderia acontecer depois daquilo que eu tinha acabado de dizer. Aquela cena era-me bastante familiar. A sua respiração descontrolada fazia o meu cabelo comprido quase voar, os seus dentes estavam cerrados com tanta força que me custava a crer que não se fossem partir todos em pedaços pequeninos naquele mesmo instante, os seus punhos cerrados encontravam-se direccionados á minha barriga, se bem que não era bem disto que eu deveria ter medo. Comecei a ouvir Sam a pedir que me afastasse, e corri para dentro do carro de Emily que era o único que estava aberto. Vi Jacob sair de casa dela com Sam que tentava fazer com que Jacob se acalmasse. Aquela cena voltaria a repetir-se quantas vezes mais fossem precisas até eu aprender a calar-me.
- Eu... estou apaixonada pelo Jacob. - confessei finalmente
- Eu sei. - disse Emily
- Sabes?
- Eu sou mulher, e além de mulher sou tua amiga há muitos anos.
Seria apenas o facto de Emily ser mulher e minha amiga que fazia com que soubesse de toda a verdade, ou era simplesmente óbvio o que eu sentia por Jacob? Eu nunca me preocupara em esconder fosse o que fosse, até porque inicialmente pensei que tudo aquilo não passava de uma coisa da idade. Mas seria mesmo por causa da idade, ou eu estaria realmente apaixonada? Ainda tinha dúvidas, e talvez Emily, que tinha oito anos a mais do que eu e um pouco mais de sabedoria e experiência, me pudesse ajudar. Só que nem eu sabia ao certo que tipo de ajuda ela me poderia dar... saberia ela?
- Achas que mais alguém reparou? Achas que dou muito nas vistas Em? - perguntei, realmente preocupada
- Não. Não te preocupes com isso. Nós somos mulheres, eles nunca hão-de compreender certos sinais que nós lhes mandamos mesmo sem querer.
- Achas?
- Tenho quase a certeza. Assim como sei que não é só o facto de gostares do Jacob que te está a preocupar pois não?
- Não.
- É Bella?
- Também... Sabes Emily... opá, não é ciúmes nem inveja...
- Não?
- Ok. É um bocadinho das duas coisas. Mas não é só isso e isso nem é o que mais me custa. O que mais me custa no meio disto tudo é vê-lo sofrer entendes? Ele sofre tanto por causa dela. E depois claro, adivinha qual é o ombro que ele quer sempre para chorar...
- O teu. - afirmou Emily, que se encontrava já a par de quase tudo o que se passava entre aqueles dois
- Claro. E quando as coisas estão melhores entre eles, ele vem sempre ter comigo para me contar tudo ao pormenor. Parece que... faz de propósito. Sei lá. O pior é que eu sei que aquela felicidade toda que ele sente quando ela é boa para ele, é ilusória.
- Porque é que não lhe dizes o que sentes por ele? - sugeriu Emily - Assim ele deixava de falar dela, tenho a certeza.
- O problema é esse. Se eu lhe contar ele afasta-se de mim. Eu prefiro sofrer por ele me contar estas coisas dela e saber que ele gosta é dela, do que não saber nada da vida dele e saber que ele já não confia em mim. - confessei, virando-me de costas para a minha amiga para observar a praia pela janela
- Oh Jéssica! - disse Emily, colocando as suas mãos nos meus ombros - Ele não te faria isso. Ele preocupa-se muito contigo e gosta muito de ti.
- Achas? - perguntei, sentindo a réstia de esperança que ainda vivia em mim abandonar-me naquele momento - O Jacob não quer saber de mim para nada Emily. - disse, confiando naquilo que dizia - Ele deve achar que eu sou cheia de mania só porque os meus pais têm dinheiro e me ofereceram um BMW como prenda de aniversário. Deve-me achar completamente oca só porque eu cresci e vivi em Nova York numa mansão que dava para alimentar os pobrezinhos todos de África. Eu tenho lá culpa de ser assim? Tenho culpa de não gostar de Forks porque estou habituada a luxos? Eu não me fiz, fizeram-me. Fizeram-me e habituaram-me a ser como eu sou. Se as minhas roupas são chiques de mais para um sitio destes, quem não gostar que feche os olhos. Ai Em, que merda! Eu não tenho culpa de não gostar de sair á rua com calças de fato de treino!
- Não é a tua maneira de ser que está em causa Jéssica.
- Não é? Eu estou habituada a que as pessoas daqui me olhem um bocado de lado por saberem a casa onde eu vivo e os carros que eu tenho, porque afinal de contas isto é pior que aquela vila minuscula onde vivia a minha visa avó em Portugal. Mas o Jacob? Não era suposto ele conhecer-me um bocadinho melhor e saber que o facto de eu gostar de saltos de 10cm não interfere na minha maneira de ser?
- As pessoas que vivem aqui não estão habituadas a mansões com 20 quartos como a que tinhas em NY. - gozou Emily tentando acalmar a tensão - Nem o Jacob sabes? Aquelas bocas que ele manda de vez em quando não as manda por mal, tenho a certeza.
- Oh sim... - disse, virando-me para Emily - Ele prefere...
Interrompi-me a mim própria, sentindo o coração cair-me aos pés. Sam e Jacob encontravam-se mesmo de frente para nós, com cara de quem estava a ouvir a conversa há tempo de mais. Emily olhou para trás, tentando perceber o motivo do meu espanto, e deparou-se com Sam que se dirigia a ela para a cumprimentar.
- Eu peço desculpa... - balbuciou Sam olhando para mim
Não respondi. Não sabia ao certo o que dizer, e Jacob não parava de olhar para mim, como se estivesse á espera de uma explicação qualquer. Comecei a andar em direcção ao frigorifico, como se fosse buscar água para beber, ou qualquer coisa para comer que ainda faltava na mesa, mas assim que fiquei de costas para ele, continuei a andar em direcção á porta de saída, pensando em dirigir-me á praia. Tinha perdido o apetite para desfrutar do manjar que Emily tinha preparado para todos nós.
Última edição por JéssicaSoares* em Sex Jul 09, 2010 1:37 am, editado 7 vez(es)