Capitulo nr. 5
"Não consegues ouvir o bater do coração dela? Está tão fraco..."
Jacob virou-se de frente para aquela bela mulher, que não se moveu nem um milímetro do lugar onde estava. Rosnou bem alto, com o seu olhar mais medonho e ameaçador direccionado a ela, mas não parecia meter-lhe medo ou sequer incomodá-la. Até Jéssica, que sabia que Jacob queria apenas protegê-la naquele momento, sentia medo por ter aquela fera tão perto de si. Mas aquela figura de cabelo comprido, ruivo e com caracóis perfeitamente definidos, com os seus olhos com uma tonalidade vermelha viva, limitou-se a sorrir perante aquele lobo castanho com patas atléticas.
Claramente, Victória sabia exactamente quem iria encontrar naquele momento, mas também sabia que apenas um lobo não poderia nada contra ela, a menos que se quisesse magoar de verdade. Sem vontade de desperdiçar o tempo que levaria a que aquele lobo chegasse até si, e cumprisse com as ameaças que os seus olhos cuspiam em forma de faíscas com o intuito de a atingir de todas as maneiras possíveis, Victória puxou Jéssica pelo seu braço direito, fazendo com que esta última batesse contra o seu corpo e caísse nos seus braços obrigando-a a suportar todo o seu peso, que na verdade, para ela, era como o peso de uma pena para um simples humano. Jacob entendeu a tempo, que para magoar Victória, teria automáticamente que magoar Jéssica, sendo que parou a tempo de não magoar nenhuma delas. Mas Jacob era muito maior do que elas as duas juntas, e isso era absolutamente visível e inquestionável, pelo que tinha muitas outras armas que Victória não possuía, mas que já esperava. Desde que regressara a Forks que era perseguida por uma alcateia, todos os dias, sendo que achava-se já familiarizada com todos os seus truques. E naquele dia, parecia ter a vida facilitada. Ao imaginar o que Jacob iria fazer a seguir, por ter já assistido á morte do seu amigo Laurent, Victória correu para dentro do mar salgado daquela praia. Ali, pouco ou nada lhe poderia acontecer, e com a sede que estava, não tinha tempo para simular uma trágica luta entre dois inimigos mortais, e só após essa luta, receber o seu tão merecido prémio. Nem pensar. Poderia pensar que aquilo era uma espécie de adiantamento... o prémio primeiro, e depois teria todo o gosto em lutar com aquele lobo castanho avermelhado e gigante.
Jacob falhou o seu alvo, como seria de esperar, acabando por bater com a sua enorme cabeça contra a rocha onde outrora, ele e Jéssica tinham estado a fazer as pazes, se é que esse era o termo correcto para descrever o silêncio que nenhum deles tinha sido capaz ainda de quebrar, até aparecer Victória de surpresa. Aquela pequena rocha, que tinha quase exactamente a forma de um banco individual, partiu-se em pedaços minúsculos que se espalharam pela areia escura da praia, acabando por se confundirem com a mesma. Jacob ouviu um grito de aflição. Um grito que mexeu com o seu instinto animal. Jéssica estava a ser torturada nas mãos imundas daquela mulher, mas não tinha gritado por isso. Jéssica sofria tudo aquilo num silêncio de loucos, num silêncio sufocante e nada natural. O grito fora emitido, unicamente após o contanto dos dentes de Victória com a pele dela. A bela mulher tinha-lhe rasgado a pele do seu lado esquerdo do pescoço, com os seus dentes brancos e perfeitos. Sugava-lhe o sangue com tamanha satisfação, que Jacob podia jurar que aquele elixir era mais do que simples alimento, mas ainda assim, era um cenário deplorável. Jéssica contorcia-se de dores no meio dos seus braços, que com certeza a apertariam com demasiada força para que ela aguentasse. Estava a ser morta, lenta e dolorosamente, e Victória estava a utilizar mais do que um meio para o fazer. Enquanto perdia sangue para aquela mulher, Jéssica era também sufocada por Victória que segurava o seu pescoço com uma só mão, mas com demasiada força para que pudesse aguentar. Além disso, Jacob podia jurar que conseguia ouvir dali, os ossos no interior dela partirem-se em mais do que dois pedaços. Uivou, como se fosse um lobo de verdade. Ele era. Ele era um lobo de verdade. Era como se tivesse gritado, mas sabia que ninguém pensaria num grito ao ouvi-lo, porque ele não era humano naquele momento. Ele era um lobo feroz de quatro patas, e com umas presas afiadas e absolutamente infalíveis. Começou a formar-se uma lágrima, em cada um dos seus olhos. Não sabia exactamente porque chorava... se pelo sentimento de inutilidade que o invadia naquele momento, se pelo medo de a perder, se pela emoção que era ter esperança que alguém ou até mesmo ele a salvasse, ou se simplesmente aquelas lágrimas se tinham formado por ter que assistir a algo completamente inqualificável, como o cenário que se estendia á sua frente. Perguntava-se se conseguiria salvá-la dentro de água. Nunca tinha tentado perseguir um vampiro dentro de água, nem nunca tinha tentado sequer nadar enquanto lobo. Os vampiros rapidamente se movimentavam fora ou dentro de água, mas Jacob não tinha a certeza de conseguir fazer o mesmo. Apenas sabia que tinha que fazer alguma coisa.
Jéssica sentia-se quase feliz nos braços daquela mulher. Irónico. Os seus olhos que há pouco se fechavam com força para que ela conseguisse dar voz aos seus gritos e algum conforto aos seus músculos da cara, abriam-se agora, o pouco que lhes era possivel. Aquela dor excruciante que invadia cada centímetro do seu corpo, e que ao mesmo tempo lhe dava forças para tentar ao máximo libertar-se daquela força sobre-humana que a mantia presa no mesmo sitio, tinha-se transformado numa dor nervosa. Algo quase... indolor, mas permanente. Uma dor que mais do que doer, a incomodava acima de tudo. Queria continuar com os seus olhos abertos, mas não lhe estava a ser possível. Apesar de tudo aquilo, Jéssica ainda conseguia manter um pensamento racional. Um único. Antes de morrer, queria ver Jacob uma última vez. Sim. Tinha a certeza que Jacob era a última pessoa que queria ver, para ter uma morte descansada. Mas Jacob não aparecia, e isso, no fim de contas, era a única coisa que a mantia a respirar. O facto de Jacob não aparecer, era a única coisa que lhe dava forças para manter os seus olhos abertos, porque mesmo que ele tivesse desistido de a salvar, ela nunca desistiria de olhar para o seu amor. Não ficava magoada por ele não a salvar das garras daquela mulher. Queria, acima de tudo, o seu Jacob a salvo, longe daqueles dentes aparentemente inofensivos. Claro que Victória jamais pensaria em morder Jacob, até porque Jéssica sabia como os vampiros não suportavam o cheiro dos lobos, e vice-versa. Mas Victória poderia magoá-lo de muitas outras formas... então, que a magoasse a si. Teve energia suficiente para se rir de si própria com as barbaridades que lhe passavam pela cabeça naquele momento. Porque naquele momento pensou, que já que a grande inimiga de Bella e de Edward a estava a matar naquele momento e já que, por essa mesma razão, Jéssica nunca poderia ser feliz com Jacob de alguma forma, então o seu maior desejo era que Victória parasse de perseguir Bella e deixasse que Jacob e Bella se entendessem e fossem felizes os dois. Duas coisas altamente improváveis e absolutamente absurdas. Talvez já possuisse menos sangue do que aquilo que era suposto até para manter os olhos abertos, como ainda conseguia fazer, ainda que a sua visão da realidade fosse completamente deturpada, e disso ela ainda tinha consciencia. Mas se tinha assim tão pouco sangue no seu interior, então, só agora, na hora da sua morte, se tinha apercebido de como os vampiros eram rápidos. Pensara que o seu conceito de rapidez estava muito além daquela realidade paralela, e só agora percebia o tamanho do seu engano. Queria implorar-lhe que a deixasse ver Jacob antes de poder fechar os olhos e acabar com aquele esforço que ainda fazia para conseguir respirar, mas não conseguia emitir qualquer som. As suas lágrimas tinham quase secado com o vento que atingia a sua face naquele momento, mas novas lágrimas caíram. O desespero estava novamente a tomar controlo do seu corpo. A esperança de se salvar tinha-se evaporado por completo, mas a esperança de voltar a ver Jacob só agora a abandonava, e isso doía mais do que qualquer dor física que aquela mulher pudesse provocar no seu corpo indefeso. Ía perder Jacob para sempre. Ía perder a magia do seu sorriso, e se eventualmente fosse parar ao céu e lá estivesse frio, nunca mais teria o seu Jacob por perto e a temperatura do seu corpo para a reconfortar. Nunca mais ouviria Jacob dizer-lhe que até gostava de si, apesar de tudo. Claro que isso que ele dizia, não era nenhuma espécie de
“gosto muito de ti”, mas sempre era um
“até gosto de ti”, e isso explicava quase tudo, podendo até querer dizer, que um dia, Jacob gostaria muito de si. Algo que outrora faria todo o sentido, mas naquele momento não fazia sentido nenhum. Ouvira num filme, uma vez, algo que lhe ficara para sempre na memória. Algo sobre o amor. Era uma rapariga de cabelos loiros, a protagonista do filme... uma estrela cadente caída do céu, que tinha já visto séculos e séculos de amor. Segundo ela, o amor, apesar de incondicional, pode também ser completamente imprevisível, inesperado, incontrolável, insuportável e estranhamente confundível com o ódio. As suas atitudes com Jéssica, revelavam quase tudo aquilo, sendo quase impossível, pelo menos no seu ponto de vista, que Jacob nunca chegasse a amá-la. Quase. Não tinha previsto ainda que podia morrer a qualquer momento. Não lhe tinha sequer ainda passado pela cabeça que poderia morrer um dia, sem ter tempo de saborear o amor que sabia que Jacob sentiria por ela. Afinal não sabia de nada. Afinal, Jacob nunca estaria realmente apaixonado por ela, porque as circunstâncias da vida assim não o permitiam. Nunca o teria por completo, porque tinha já perdido tudo, se é que tinha alguma coisa a perder. Só a vida.
O seu pelo, molhado pelas lágrimas que inisistiam em cair, estava realmente a incomodá-lo. Jacob sabia, não só que não conseguiria chegar a Jéssica a tempo com as suas quatro patas se tivesse mesmo que nadar, como que não poderia continuar parado. Correu até á beira mar, e decidiu que poderia entrar na água, mesmo sendo um lobo naquele momento. Correu até onde tinha pé, o que não o deixava assim tão longe de Victória, mas esta, ao aperceber-se de como Jacob se encontrava perto de si, afastou-se um pouco mais dele. Então, Jacob transformou-se de novo em humano. Sabia ao que estava exposto, mas tinha a mesma certeza de que Victória jamais se atreveria a morder-lhe, até porque tal iria contra a sua natureza. Nadou o mais depressa que lhe foi possível, até atingir a sua amiga. Victória largou o pescoço de Jéssica por um momento, para se permitir a si própria, rir da atitude heróica de Jacob. Se Jacob achava que poderia alguma coisa contra ela, estava redondamente enganado. Chegava a ser ridicula aquela atitude da parte dele, que deveria já saber lidar com vampiros. Mas se Jacob queria jogar aquele jogo consigo, e se realmente queria tão desesperadamente aquela luta, Victória faria-lhe a vontade.
- Larga-a imediatamente! – ordenou Jacob
Julgou-se a alucinar ao ouvir a sua voz. Desejava vê-lo uma última vez, mas jamais pensaria que podia também ouvi-lo. Virou a cabeça o mais rápido que pôde para o lado de onde sabia vir a sua voz, e sentiu um misto de dor e de tonturas invadir a sua cabeça por um instante. Sentiu-a pesada, e sentiu-se como se a sua cabeça não fizesse mais parte do seu corpo, e como se pudesse cair de encontro áquele mar imenso, a qualquer momento. Viu Jacob á sua frente, que parecia tentar tirá-la do colo de Victória, mas Jéssica não conseguia sentir o que via. Todo o seu corpo se encontrava dormente, e Jéssica via-se incapaz de sentir a força que Victória exercia sobre si, e a força que Jacob supostamente fazia para a conseguir tirar do seu colo.
- Não consegues ouvir o bater do coração dela? – provocou Victória –
Está tão fraco...Sentiu aquilo como se o seu próprio coração se encontrasse numa luta incansável entre a sobrevivência e um poço sem fundo onde cairia a qualquer momento. Jamais deixaria Jéssica na mão, e tinha decidido aquilo naquele mesmo instante.
Victória desfez-se numa gargalhada estridente, dando um murro na barriga de Jacob, que fez com que este voasse alto e para bem longe. Lá no alto, viu Jacob sofrer uma transformação involuntária, que fez com que caísse no meio delas as duas. Victória sentiu Jéssica escapar-lhe das mãos, e preparou-se para uma luta que julgava não ser sequer possível, com um lobo dentro de água. Nunca a tal assistira nos seus 200 anos de vida, mas sempre levara um tipo de vida despreocupado, sem lobos no seu caminho.
Jacob sentia toda a revolta dentro de si, transformar-se em força para destruir aquela mulher e salvar Jéssica. Não tinha muito tempo. Não tinha tempo para pensar no que faria ou prever o que Victória faria, pelo que se dirigiu a ela o mais rápido que conseguiu, ao mesmo tempo que a via dirigir-se a si, e quando a sentiu suficientemente perto, abocanhou a sua mão direita, e prendeu o seu corpo com as suas patas traseiras. Perfurou a sua pele com as suas presas, e com um pequeno mas forte movimento da sua cabeça, deslocou o seu braço do resto do seu corpo. Jacob cuspiu o seu braço para longe, temendo que não demorasse muito até que este voltasse a unir-se ao resto do seu corpo, e ao ver que Victória pretendia atingi-lo no fucinho, com a sua mão livre, Jacob teve tempo de a arrancar também do braço dela, deixando Victória sem um braço e sem uma mão. Para terminar, Jacob afastou Victória, tanto quanto pode, dando-lhe duas patadas com as suas patas traseiras, na barriga dela. Naquele momento, deixou de a ver por completo. Talvez se tivesse arrependido, ou talvez ainda estivesse por ali. Mas Jacob sabia que para salvar Jéssica, que naquele momento se encontrava no fundo do mar, teria que adoptar, novamente, a sua forma humana.